Pinchas - Sacrifício humano pode?

 


A Parashá Pinchas é impressionantemente complexa que, a nosso ver, evidencia que a Torá (a própria 'letra' de D`us, santa  e eterna) é a forma de interação que HaShem encontrou para  revelar realidades espirituais (ilimitadas), de complexidade quântica, para se comunicar tanto com o homem (limitado) do periodo do bronze, quanto, o (soberbo e presunçoso) da era digital.

 Temos questões difíceis nesta porção que não comportam respostas simples. Por exemplo, responda você: 
  • Se não há perdão de pecado sem derramamento de sangue; 
  • Se não existe sacrifício humano;
  • Se para que haja kapará (perdão de pecados) é necessario reconhecimento da transgressão, arrependimento, indenização pedido de perdão a D'us e korban (imolação  do carneiro);
  • Como você explica que Pinchas ao atravessar Zimre e Cosbi, matando-os, fez expiação pelo povo de israel?

O povo de Israel, após a travessia do Mar Vermelho, recebe a Torá no Monte Sinai, e no quadragésimo ano do deserto, já de frente com a terra prometida, encontrava-se acampado nas planícies de Moab, quando um incidente de grande gravidade se desenrola: Zimri, líder da tribo de Simeão, publicamente toma Cozbi, uma princesa midianita, como esposa, transgredindo a Torá que proibia o casamento com mulheres estrangeiras e a idolatria (Bamidbar (Nu) 25:1-2). O episódio de Zimre e Cozbi foi apenas o ápice da transgressão, a mais emblemática, por que era líder dos simionitas. Outros, também, estavam se prostituindo com idolatria. Assim, começou uma praga que estava ceifando vidas.

Essa transgressão de Zimri (um líder), não se limitava a uma ação individual. Ao publicamente tomar Cozbi como 'esposa' e se envolver com a idolatria midianita, ele desafiou abertamente as regras da Torá e a autoridade de Moshé e Eleazar (Kohen Gadol) colocando em risco toda comunidade de Israel, os 40 anos de santidade e cumprimento da Torá, ou seja, pos em xeque-mate,  a entrada na terra prometida, a fé do povo e a justiça de HaShem.

A "ira divina" se manifestou de forma imediata: a praga devastadora começou a assolar o povo de Israel, e disse o ETERNO a Moshé: "Toma todos os cabeças do povo e enforca-os ao ETERNO ao ar livre, e a ardente ira do ETERNO se retirará de Israel". Bamidbar 25.4

 A gravidade da situação era evidente, a praga, ao final, ceifou 24.000 pessoas. Efetivamente, a comunidade se encontrava em perigo, a fé estava ameaçada e a redenção era necessária.

Por outro lado, ao presenciar a transgressão de Zimri e Cozbi,  Pinchas, kohen (sacerdote)  da tribo de Levi, toma uma atitude zelosa e corajosa: ele os mata com sua lança, pondo fim à transgressão da Torá (Bamidbar 25.6-8).

A ação de Pinchas, embora severa, foi reconhecida por D'us como um ato de fé e zelo que "deteve a praga entre os filhos de Israel" (Bamidbar 25.11). Pinchas reagiu com extremo zelo (קִנְאָה ardor ou ciúme) defendendo a Torá, disposto, talvez, a proteger o povo de Israel da transgressão e a ira que viria?

Diz a Torá:

 Pinchas, filho de Eleazar, filho de Arão, o sacerdote, desviou a minha ira dos filhos de Israel, vingando-me zelosamente no meio deles, de modo que eu não destruí os filhos de Israel por causa do meu zelo.

Será para ele e para os seus descendentes depois dele uma aliança paz de fidelidade, porque ele foi zeloso pelo seu Deus e fez expiação pelos filhos de Israel.

E saltam aos olhos aa questões iniciais: Pode haver expiação (kapará), com derramamento de sangue humano? A kapará foi com a morte de Zimre e Cosbi, dos dois, ou foi ela, a intenção zeloda de Pinchas? Não havia necessidade  da consciência da transgressão, confissão,  uma animal perfeito de um ano e tudo ser realizado no Mishkan?

Para responder essas questões é necessário fixar os limites conceituais de kapará.

A palavra kaparah, do hebraico "כפרה", é traduzido como "expiação" ou "redenção". 
No contexto judaico, refere-se ao ato de expiar pecados  (transgressões à Torá) através de um ritual com korbanot(imolações), geralmente um animal apresentado no Miskan, e depois, continuou até a destruição do Templo de Jerusalém.

 Deste modo,  kaparah, vai além do mero ritual (mecânica) de expiação pelos pecados. Ela representa um processo com aspecto fisico, espiritual e de consciencia:

  • Teshuvah: O arrependimento genuíno e a mudança de comportamento, reconhecendo a transgressão e buscando reconciliar-se com D'us e com o próximo.
  • Tefillah: A oração sincera e consciente, direcionada a D'us, buscando perdão e redenção.
  • Korban: Do hebraico "קרבן", traduzido como "oferta" ou "sacrifício". Representa a apresentação de algo prescrito na Torá, para D'us (animais, cereais, azeite, objetos específicos), com a intenção de aproximar-se de D'us e expiar pecados. 
  • Beit Hamikdesh (templo): Era o local único para se apresentar um korban, portanto, imprescindível para validade e eficácia do perdão, estabelecido por D’us.
Com estes elementos, o korban era a forma eficaz de alcançar a kaparah (perdão  dos pecados) durante o período do mishkan e do Segundo Templo.

Simbolicamente, o korban (morte substitutiva) representava a entrega da própria vida a D'us como expiação pelos pecados, reconhecendo a gravidade da transgressão e a necessidade de perdão para refazera conexão com D'us.

Como fica então a morte de Zimre e Cozbi como kapará? Existe outra modalidade para a realização da kapará, agora, autorizada pelos sábios e referendada pela Torá?

A ausência de um korban levanta dificuldade de entendimento sobre como a expiação pelos pecados do povo foi realizada. O Talmud apresenta algumas discussões diferentes interpretações para explicar essa questão:

O zelo de Pinchas foi vista como Korban.Uma das interpretações mais tradicionais sugere que o próprio ato de Pinchas matar Zimri e Cozbi, foi considerado um korban humano, uma oferta sacrificial extrema que expiou os pecados do povo. Sua ação zelosa foi vista como um ato de kapará que afastando a ira de D’us.

Outra interpretação enfatiza a fé e o arrependimento do povo, como elementos centrais para a expiação. O Talmud sugere que a reação imediata de horror e luto do povo após o incidente, junto com a ação rápida de Pinchas, demonstraram arrependimento genuíno e fé em D'us. Essa demonstração de fé teria sido suficiente para cessar a praga.

Exiatem ainda outras interpretações que focam no significado simbólico do ato de Pinchas, na sua ancestralidade, até na reencarnação  de duas almas (Nadabe e Abiú).
Contudo, a questão segue em discussão pois existem conceitos bem marcados no judaísmo,  como por exemplo, a morte de Yeshua, fazendo kapará pelo povo de Israel (e pelos conversos que se submeterem ao pacto) dos tzadikim que fazem expiação  por sua geração.

Num próximo texto vamos explorar  situações  de fundo do perdão, como evidências de outros episódios,  de haver perdão sem derramamento  de sangue; de perdão pessoal  e coletivo, como consequências e por direito de pacto; etc. E ainda, por que a kapará de Pinchas é válida e de Yeshua, não?

Para esta reflexão resta uma primeira conclusão, é que a kaparah sem derramamento de sangue e o korban representam um capítulo fascinante na tradição judaica e nas discussões do Talmud. Com essas reflexões aprofundamos nosso entendimento sobre a bondade de D’us (hessed), na forma como D'us traduz os valores e comportamentos, o que Ele espera de seus servos, a natureza da expiação, entre outros aspectos.
 
Assim, somos compelidos a amar a esse D’us  maravilhoso por seu plano de redenção, que não é  um fim em si mesmo, mas, a materialização  da sua misericórdia e graça para com todos aqueles que o buscam com integridade de coração.
BH!!


Comentários

Postagens mais visitadas